Uma mão que se abre num aceno, com os dedos esguios estendidos a medo. Outra mão que se enrola num aperto cordial ousando demonstrar alguma força que já não tem. Um abraço que envolve um tronco de tal modo sôfrego que já não respira.
Há momentos em que a mente se quer despedir. Alturas em que o conforto não chega de onde se queria e a esperança é vã memória dos tempos que se sonharam e nunca foram realidade. O corpo não tem outra solução que não obedecer a esse desígnio imperial imposto pela voz que o comanda. Contrariado ou não, cabe-lhe dar forma a algo muito mais complexo que uma simples palavra ou sentimento. Porque as despedidas são um ciclone de emoções contraditórias e vontades tantas vezes desconexas e incoerentes entre si, mas que acabam por se fundir em algo tão objectivo e concreto como um adeus.
Uma lágrima que se desprende num fio de ouro caduco e fugaz. Um nó na garganta incómodo que se disfarça mal quando se engole em seco aquilo que se quer, mas não se pode dizer. Ou um aperto no peito, que aperta algo que já não existe e cuja existência se questiona sem cessar.
Será que escolhemos poder ir embora? Serão os outros que nos deixam ir embora? Ou serão os outros que vão e ficamos nós sempre no lugar onde estivemos e de onde nunca sairemos? Uma despedida é sempre subjectiva e relativa. Talvez não interesse quem parta e quem permita partir. Talvez nem interesse saber se isso interessa. Porque, no final das contas, o que resta é o abandono que ardeu lentamente de forma penosa enquanto nunca se deu por ele. Um fogo que se alimentou de muito mais que o oxigénio que necessitaria para respirar e que transgrediu todas as barreiras que o bom senso deveria impor.
Um passo tímido que se começa em direcção a um novo rumo, talvez cópia do que agora se nega. Um último desviar no olhar incrédulo com a dor cabal do que já não capta. Uma certeza da decisão que se incorpora por fim, quando finalmente tudo se torna óbvio.
Foi a ausência. A inexistência de uma presença que se conjecturou sob ideais e premissas dúbias descritas em fábulas e romances irreais. Porventura surreais. Foi a dor do esquecimento. Da lembrança de permitir o abandono tão concreto e visível que quase chega a ser sorrateiro. Porventura matreiro. Foi a incongruência. A coerência de usar do poder conforme fazia gosto ao uso do abuso de querer tudo sem escrúpulos. Foi tudo isso. Um esgar tétrico e silencioso que se apagou cordialmente entre ambas as partes sem combinação ou contrato prévios. Uma despedida da qual todos são conscientes e coniventes. E que, mesmo sem nunca o expressarem com a voz que a natureza concedeu a quem dela faz uso, há muito ansiavam. Com uma força tão honesta quanto cruel.