Já não sei construir castelos de areia. Perdi a capacidade de empilhar aqueles pequenos pedaços sob a forma de muralha com torreões e ameias. Desaprendi e desaprendeste-me. Desensinaste-me. Deslembraste-me. Parecia tão fácil na altura, que talvez nesse tempo não tenha dedicado o suficiente para o apreender. Talvez me falte a água que une a areia como cola invisível que dura até evaporar. Falta-me a água gelada do mar. Falta-me a água porque está agora tudo seco. Seco de solidão e de desamparo.
Sento-me na praia. Apanho um punhado do areal que de seguida me escorre por entre as fendas dos dedos. Como quem foge. Como quem não quer ficar. Porque foges? Para onde queres ir? Onde buscarás o líquido que te conferirá a união que desejas? Nesta praia já não faço castelos de areia. Não se consegue fazer nada com esta areia desprovida de marés. Não há quem a enrosque e a embale, embevecendo o olhar de transeuntes que se detêm por entre passos mal calculados.
Porque não me mostras de novo? Talvez tenhas ido atrás da chuva. Por entre o negrume de céus fechados em busca de argamassa para que se ergam novos edifícios de brincadeira. Porque aqui o assunto é sério e faltou-te seriedade para que pegasses nas minhas mãos e lhes mostrasses como era moldar uma parede, um fosso, uma torre de menagem. Faltou-te intenção a mais e palavras de menos para que nos compreendêssemos na perfeição e não criássemos uma barreira de penumbras dúbias onde ora falta areia, ora falta água. Onde já não se constrói nada. E onde aquilo que de lá sai, mais se assemelha a uma destruição mal contida que abala os castelos ainda estoicamente de pé. Tal qual um pé de alguém distraído que, sem querer, tropeça no pequeno castelo de areia de fantasia do petiz.