Gosto de me sentar mesmo à beira do paredão e deixar as minhas pernas suspensas sobre a água. Ou então simplesmente reclinar-me sobre um qualquer banco e deixar-me ficar. Este lugar chama-me, a mim e ao meu pensamento. Como se as ideias viessem com as pequenas ondas que se dirigem a mim, vindas de não sei onde. Ideias boas e más. Frequentemente más. Melhor: inquietantes. Arrepia-me sentir aquele vento característico. Aquele vento que é capaz de me atravessar a pele, os músculos, os ossos. Aquele vento que traz com ele aquele cheiro inconfundível a maresia. E que volta a sair. Vai mas não leva com ele os meus fantasmas. Nem ele nem as ondas que antes vinham e que agora se afastam para longe da minha vista. Já sei que o melhor não é esperar que algum destes agentes me ajude a levá-los. Sei que me devo deixar consumir com estas memórias e com as minhas preocupações. Pelo menos enquanto aqui estiver neste lugar que é de todos mas que acaba por ser tão meu. Não tenho medo da melancolia que se me assola. Deixo-a entrar. Enfrento-a. Custa mas alivia...
Quando aqui estou, parece que tudo o que está nas minhas costas deixa de existir. Sou eu e o mar. E tudo o que ele me dá e tudo o que ele não me tira. Já perdi pessoas aqui. Também já comecei a ganhar algumas neste lugar. Tive até o prazer de destruir outras num pequeno canto algures por perto. Será sempre algo demasiado simbólico para que me seja indiferente. Há quem diga que é um cenário perfeito, daqueles de quadros pintados com as mais bonitas cores. Eu não o vejo assim. Vejo-o de cores escuras, abafadas, presas. Um cenário demasiado deprimente. Demasiado revivalista. Odeio-o por gostar dele. Evito-o por precisar dele...
Ao fundo um barco passa no horizonte... Corta-o como me corta neste instante o rodopio que me invade a cabeça. Por hoje chega. Levanto-me e dirijo-me para o mundo nas minhas costas.
2 comentários:
o saber escrever é quase um dom. e é 'quase' porque nao basta te-lo, há que solta-lo e treina-lo para se chegar a algo que valha a pena mostrar. durante este ano tenho observado uma evoluçao do que crias.uma evoluçao para melhor. para mais sentido, mais suave, menos 'cuspido'.. com tudo isto mais proprio e fiel ao que és. nao tanto ao que queres parecer.
gostei deste post. simples. o momento a parte do mundo que todos precisamos as xs. os locais sagrados destes momentos, e só destes *
A pior parte de voltar as costas ao mundo é tornar a olhar para ele e descobrir que está tudo na mesma.
Enviar um comentário