sexta-feira, setembro 11, 2009

Existência inexistente



A vida que vives não é tua. É provável que nunca tenha sido. Não é esse o teu fato e o papel que tens que representar neste palco cuja plateia te observa atentamente. Não é essa a tua árvore sob a qual dormes à sombra. Estás enganada, errada e equivocada. Julgas que são esses os teus princípios, gostos e preferências, embora eles não passem de uma ilusão que te foi sendo passada ao longo dos anos pelo modelo que sempre quiseste ser e que foste absorvendo, qual esponja, sem critério nenhum de racionalidade ou selecção. Limitaste-te a encarnar alguém que não és e que a tua própria pessoa te obrigou a ser sem pedir permissão. És um ser dentro de ti contra a tua própria vontade inconsciente, lutando sem força e resignadamente para te livrares daquilo que para sempre serás.

Para além de não conseguires ver-te no espelho sem que reflictas uma outra face desconhecida da tua suposta existência própria, obrigas-te a viver a vida de outros. De outros que também desconheces e que julgas deuses sagrados e incólumes. Deuses que adoras incessantemente no teu altar de juízos que julgas íntegro mas que não é mais que uma fantasia que a tua não-personalidade constrói escondida dos olhos que não tens e que só vêem aquilo que tetricamente te deixam e lhes convém. E por serem deuses aqueles que veneras, absorves também tudo o que estas almas supremas te indicam. Segues cegamente sem o mínimo desacato tudo o que te ordenam e rejubilas por te vergares desse modo e por cumprires a preceito todos os seus preconceitos, mesmos que vergues a tua vertical integridade. E o resultado não pode ser mais prejudicial para ti pois passas também tu a carregar os preconceitos e valores alheios. Preconceitos e valores que só te descaracterizam ainda mais e que só ajudam a tapar mais os deuses das suas responsabilidades, carregando-as directamente para ti e, por vezes, só para ti. Porque agora és também tu que passas a responder por actos que não seriam teus de raiz e que incorporaste de forma tão profunda que já não te saem da carne. E se estão desta forma aderentes a tudo o que tu és, a culpa tem que ser necessariamente da tua pessoa. Uma pessoa demasiado ingénua, com uma péssima auto-estima, uma baixíssima auto-crítica racional e uma inexistente capacidade de pensar o que existe à volta e que cai sobre ti como uma ave de rapina sem dó de te dilacerar com as grandes garras curvas e esfolar com o grotesco bico afiado.

Hoje já não consigo caracterizar a tua natureza. Não sei se é boa ou se é má. Se é talvez um misto das duas. O mais provável é que não tenhas natureza simplesmente porque não existes enquanto pessoa individual mas sim como o resultado de tudo o que te injectaram pelas costas. E foi tanto o que essas agulhas introduziram no teu ser, que agora já nada resta do pouco que poderia existir com o teu nome. Só consegues ser tu sendo outros. E isso não é bom. Isso é sempre o princípio do nosso fim. Quando deixamos de ter personalidade própria, quando deixamos de ter gostos, quando deixamos de assumir escolhas... É aí que começamos a deixar de existir.

Estás-te a esfumar.

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