És a maior das desilusões da minha vida. És aquela pessoa em que, por vezes, encontrei pedaços do que gostaria de ser para ser melhor. Pedaços que complementariam falhas que todos temos e muitas vezes não queremos assumir. Julguei que serias merecedor de tudo aquilo que sempre viram em ti e que de ti quiseram fazer de uma forma tão natural que quase nem percebeste. Daquele quadro idílico desenhado com a mais pura das ingenuidades e certezas que se encontram num pincel nu e ainda virgem. O tempo mostrou-me que estava errado. Que todos nós estávamos errados. Que tu também estavas errado. O problema é que os outros foram agora obrigados a estar certos enquanto tu, isolado na tua ignorância e incompreensão das mais básicas leis humanas, continuas sentado ao canto batendo o pé em defesa das tuas falhas.
Onde encontraste a coragem para te dessuperares tão grosseiramente? Como reuniste a força para descriar o que já há muito estava frágil? Deu-te prazer quebrar algo que se iria partir por si próprio sem necessidade de um soco no estômago? Usurpaste à socapa algo que nunca seria teu por direito e, mesmo após o teres furtado, não ganhaste o direito a possuir tal privilégio. Faltou-te a esperteza e, acima de tudo, a inteligência para saberes até onde pisar. Ao roubares do prato que te alimenta, do roupeiro que te veste ou da casa que te abriga, roubaste igualmente o resto de vergonha ou dignidade que poderias ainda possuir depois de toda a vitalidade que optaste por sugar para alimentares uma fome viciosa que te suga a ti próprio. Foi esse o caminho que escolheste e que agora te escolhe a ti de forma recíproca: o da mentira, o da falsidade, o do teatro, o da fuga antes que te apanhem, o da invenção. Do lado de cá deixas um mundo de incredulidade, de pasmo, de sofreguidão, de surrealidade. Por existires nessa tua actual essência e ausência, o mundo readquire novos contornos, novas cores, novos conteúdos. Novos mundos. E isso não é, de todo, interessante e convidativo. Tornaste-o mais que relógios de Dalí, demoiselles de Picasso ou salpicos de Pollock. Porque esses são suficientemente palpáveis, embora fruto da ficção de alguém, para que possam ser de algum modo apreendidos pelo nosso corpo e mente. O que tu criaste é um monstro que ultrapassa essas barreiras e explode com todos os limites que a vida me permitiu até hoje conhecer.
Não sei já onde te encontras. Às vezes chego mesmo a pensar se alguma vez mais te voltarás a encontrar. Tento varrer da minha mente aquilo que eu espero não ser verdade mas que os outros dizem não ser mentira. Isso significaria um turbilhão em espiral do qual já não conseguirias estender a mão em busca de um auxílio que há muito teimaste em afastar e despedaçar em tons de mesquinhez que ninguém te conhecia. Tenho medo que já lá estejas, bem atracado. Tenho medo também por ti mas cada vez menos por ti. Porque os teus tentáculos, de forma deliberada ou não, agarram inocentes como ventosas, que se consomem a ritmos tão ou mais céleres que tu. E são esses que cada vez mais me interessam e preocupam. Por ser injusto e não ser meritório. Por também me doer. Por me doer ver o definhar lento e agonizante. Por me doer ter que escolher.
Nunca vou esquecer. Nunca vou desculpar. Porque não quero e não posso. Porque não há razão ou explicação lógica possível de ser criada da forma mais arquitectada imaginável. Porque as tuas acções simplesmente revelam o total desnorte de um ser caído em desgraça. A aparente total perda de todas as suas capacidades que podiam ser brilhantes. A auto-flagelação das virtudes que outrora foram gabadas e veneradas. Afinal de contas, talvez os "sempre-em-pé" também caiam. Afinal de contas, talvez não existam "sempre-em-pés".
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