quinta-feira, setembro 06, 2007

Muralha

Aí estás tu de novo. Estás no local de onde teimaste nunca mais sair. Cabra! Não me olhes do cimo do que pensas ser a tua integridade. Não me gozes mais com esse teu ar de perfeição. Por favor. Por ti. Não sabes que tenho sempre razão?
Circundas-me. Rodeias-me. Cercas-me.
Tentei cavar por baixo das tuas mais profundas e podres catacumbas. Mas elas são tão profundas e tão podres que é impossível fugir sob tal peso. Tentei escalar-te as superfícies húmidas e viscosas para te passar por cima. Mas a tua humidade e o teu visco são tão imensos que só dão para me escorrer e escorregar de ti. Tentei inclusive aproveitar as tuas muitas brechas e os teus muitos buracos. Mas, por muitos que fossem, a tua espessura era demasiada para mim. Para o meu feitio.

Aqui estou eu. Pela primeira vez seguro de mim. Não totalmente, mas enfim seguro. Aqui estou eu à tua frente. Ergues-te alta, com as tuas imensas pedras rachadas e furadas, molhadas e cobertas de limo, que vão apodrecendo à medida que se afogam no pântano onde assentas. Desta vez é que vai ser. Desta vez é que é. Vou em frente. E vou-te passar. Atravessar. Passo firme. Recto. Rígido. Convencido. Jocoso... Só mais um... Já está.
Gostaste? Eu sei que não... Não percebeste? Eu explico-te: o que não existe fisicamente não pode prender alguém a lado algum.

Hoje ultrapassei-te. Tirei tudo o que tinha a tirar de ti. Espremi tudo o que me poderias dar. Hoje estás seca. Hoje não passas de um sonho. Uma ilusão. Uma memória.

Sem comentários: