quinta-feira, dezembro 31, 2009

Dias perfeitos

Hoje apetece-me ouvir o brilho das estrelas lá no céu, longínquas e fora do nosso alcance. Quero cheirar o som do sopro da brisa que voa sem amarras e sem destino. Tenho vontade de saborear o cheiro do teu perfume quando te cruzas comigo bem perto. Anseio por ver o calor aconchegante e terno da tua cabeça encostada no meu ombro ao fim da noite. E por fim, desejo tocar o sabor do teu beijo antes de adormecermos juntos sem nos preocuparmos com nada.

Felizmente que ainda há dias perfeitos...

domingo, dezembro 20, 2009

É agora

Abrir aquela porta e senti-la e ouvi-la fechar-se atrás de mim pela última vez é algo que para sempre me ecoará na memória.

Estava um dia lindo. Um daqueles dias de Inverno em que o sol é utopia porque a realidade são telhados de nuvens escuras e pesadas que nos cobrem sem intervalos. Um daqueles dias de Inverno em que o frio nos aquece o ego, nos atravessa até aos ossos e nos arrepia à mais pequena brisa de gelo. Um daqueles dias de Inverno em que até a própria chuva, que invariavelmente tem que cair, cai de forma escassa e com medo de congelar, com pingos tímidos de vergonha.

Daquela vez a porta pareceu-me muito mais leve quando fiz força no puxador. Pareceu que deslizou sob o seu peso como que fazendo-me uma sublime e frágil vénia à medida que lhe passava a ombreira. Não me deteve nem sequer o tentou fazer, simplesmente porque desta vez sabia que não valia a pena. Fechei o casaco até ao cimo, tão decidido quanto o máximo que poderia estar em qualquer situação que alguma vez terei enfrentado.

Não tive medo do frio, do vento ou sequer da chuva que reinavam e se divertiam lá fora. Abracei-os. Puxei-os para junto de mim agradado pela companhia neste último caminho. Soube bem senti-los à minha volta, quase me levando ao colo. Olhei pelo canto do olho, por cima do meu ombro esquerdo. Lá estava ele, onde há mais de meio século sempre estivera. Onde há meia dúzia de anos eu sempre o vira. Impávido e pouco sereno. Mas hirto e severo.

Mas desta vez era de vez. Ao olhar por cima do meu ombro terei talvez experimentado uma vivência de quase-morte. Um daqueles momentos em que, em segundos, viajamos e revemos uma vida a alta velocidade. Os altos, os baixos. Os amigos e os inimigos. Os feitos e as derrotas. As conquistas e os falhanços. Uma experiência de quase-morte diferente somente por anteceder uma nova vida que se segue à que naquele momento terminou. Viajei num vórtex de sentimentos e sensações durante o tempo que demorei a fazer uma inspiração mais prolongada de ar que sustive nos pulmões enquanto o meu interior gelava e prolongava aquele instante. Se me pedissem uma palavra para descrever aquele turbilhão talvez respondesse nostalgia. Mas uma palavra nunca chegaria. Era aquele sentido de trabalho acabado, sem remorsos. De missão cumprida na sua totalidade, sem qualquer tipo de arrependimento. De quem cresceu com o que viveu e soube retirar aquilo que precisava de tudo o que se atravessou no seu caminho. De quem está bem consigo e aceita tudo o que leva consigo e tudo o que, de consciência, optou por deixar ao longo do carreiro. Sim, acho que foi isso. Um grande sentimento de nostalgia mas sem saudade. Porque a saudade fica daquilo que se sente falta e já não se tem. Mas desta vez, o que lá deixo passará agora a ser passado porque já não me é necessário. E não o será por não ter mais lugar no meu presente. Porque o que me é de facto necessário continuará comigo, mais ou menos perto. Porque essas coisas continuarão e manterão de forma ténue aquele sentimento perfeito de orgulho próprio pelo trabalho desenvolvido e as metas alcançadas. É por isso que não tenho medo de dizer adeus. Acabei.

É hoje. É agora.

segunda-feira, novembro 30, 2009

Ciclos

A vida é feita de ciclos. De muitos e tantos que, eventualmente, alguns se terão que repetir. De muitos e tantos que, provavelmente, uma boa parte nos incluirá neles. E se é verdade que pelos bons ficamos a torcer com imensa força para que voltem, pelos maus contorcemo-nos para que nunca mais os vejamos.

No entanto, por mais que nos esforcemos, eles agem quais boomerangs e retornam para nos bater com mais força do que a primeira vez. Para nos atingir à queima-roupa quando praticamente ainda não havíamos baixado a guarda da investida anterior. E voltam a ferir-nos sem dó. Sem piedade. Sem compaixão. Sem pena.

E é nestas alturas que ousamos perguntar tudo. Pôr tudo em causa e em questão. Duvidar de muitas antigas certezas. Porquê? Porque não há crença que justifique o que quer que seja. Porque não há consolo lógico ou emotivo que reitere a vontade de agarrar em algo. Resta o conformismo de aceitar porque tinha que acontecer.

Às vezes fica-se sozinho. Às vezes muito acompanhado. Nenhuma delas é boa. Como tudo na vida, o importante é arranjar um meio-termo. Mais saudável, equilibrado e consistente. Quero apoio, mas não quero falsas ajudas. Dispenso apoios de mentira. Desprezo auxílios por dever cívico. Só quero quem sempre lá esteve. Mesmo quando não precisei. Só quero quem nunca de lá saiu. Mesmo quando o podiam ter feito. Só quero quem nunca ousou mandar abaixo. Mesmo quando era o caminho mais fácil. Só quero quem teve forças para me puxar para cima. Mesmo quando o tiveram que fazer sozinhos.

Os outros... aqueles outros... Se há muito morri para eles, não espero nem quero que me venham ressuscitar agora. Isso é triste. E decrépito. E só vos mancha ainda mais o espírito nojento que possuem.

Vocês... Sei quem são. Sei onde estão. E é só de vocês que preciso. Obrigado.

sábado, outubro 31, 2009

Agora entendo

Agora entendo o que buscas. E entendo também todo o trabalho de bastidores que fazes para lá chegares. Agora vejo como te roças e te insinuas em mundos protegidos pela ausência de luz que te denuncie. Sabes perfeitamente ao que vais e usas o mais antigo método do mundo para tentares atrair o já atraído por outrem. Cá dentro sempre o soube porque sempre o vi, mesmo quando não queria deixar que me entrasse pelos olhos. Desde sempre houve um toque especial, um inclinar ousado, um sorriso de provocação, uma frase de entrega. Uma total venda e oferta de ti para a tua pessoa. Sei o que queres e tudo o que fazes são degraus que montas para escalar para mais perto do que almejas.
Mas não te limitas a vender-te de forma descarada. E não te limitas a fazê-lo porque tens plena noção de que não chega simplesmente porque tu também não chegas. Não chegas enquanto gente ou enquanto qualquer outra coisa, por mais pequena e reles que seja. E é por isso que minas toda a sólida estrutura que te bloqueia o caminho e protege celestialmente o teu alvo. Inventas, crias e inovas temas e palavras que soltas pelo caminho. Aqui e ali, para este ou aquele. E é pelas costas, apanhando o escudo desprevenido, que infiltras o veneno na ligação que desejas romper e corromper. E vais moendo-a, incessantemente, na esperança que quebre. De podridão ou de exasperação.
Não sei se conseguirás. Espero que não. Primeiro porque o que existe é de longe melhor que tudo aquilo que queres criar à força. À força de ideais que não devem vingar neste mundo. Segundo, porque mereces perder e perder-te sem fim. Mereces a solidão que não vês que geras em tudo o que tocas. Repulsas. Se houver justiça em tudo aquilo que te envolva, existirão luzes para iluminar a escuridão em que exibes a tua nudez de corpo e principalmente de alma para convencer alguém de que serves para ser degustada. Se houver justiça em tudo aquilo que te envolva, existirão ecos de som que levarão as tuas ferroadas aos ouvidos de quem tem o direito de as voltar a enfiar a murro na tua boca.
Hás-de continuar a viver nessa amargura de vida. E caso queiras subir nessa amargura de vida, não será certamente à custa dos que se encontram acima de ti e que têm mais poder que tu. Ainda vais ter que rastejar muito...

sexta-feira, setembro 11, 2009

Existência inexistente



A vida que vives não é tua. É provável que nunca tenha sido. Não é esse o teu fato e o papel que tens que representar neste palco cuja plateia te observa atentamente. Não é essa a tua árvore sob a qual dormes à sombra. Estás enganada, errada e equivocada. Julgas que são esses os teus princípios, gostos e preferências, embora eles não passem de uma ilusão que te foi sendo passada ao longo dos anos pelo modelo que sempre quiseste ser e que foste absorvendo, qual esponja, sem critério nenhum de racionalidade ou selecção. Limitaste-te a encarnar alguém que não és e que a tua própria pessoa te obrigou a ser sem pedir permissão. És um ser dentro de ti contra a tua própria vontade inconsciente, lutando sem força e resignadamente para te livrares daquilo que para sempre serás.

Para além de não conseguires ver-te no espelho sem que reflictas uma outra face desconhecida da tua suposta existência própria, obrigas-te a viver a vida de outros. De outros que também desconheces e que julgas deuses sagrados e incólumes. Deuses que adoras incessantemente no teu altar de juízos que julgas íntegro mas que não é mais que uma fantasia que a tua não-personalidade constrói escondida dos olhos que não tens e que só vêem aquilo que tetricamente te deixam e lhes convém. E por serem deuses aqueles que veneras, absorves também tudo o que estas almas supremas te indicam. Segues cegamente sem o mínimo desacato tudo o que te ordenam e rejubilas por te vergares desse modo e por cumprires a preceito todos os seus preconceitos, mesmos que vergues a tua vertical integridade. E o resultado não pode ser mais prejudicial para ti pois passas também tu a carregar os preconceitos e valores alheios. Preconceitos e valores que só te descaracterizam ainda mais e que só ajudam a tapar mais os deuses das suas responsabilidades, carregando-as directamente para ti e, por vezes, só para ti. Porque agora és também tu que passas a responder por actos que não seriam teus de raiz e que incorporaste de forma tão profunda que já não te saem da carne. E se estão desta forma aderentes a tudo o que tu és, a culpa tem que ser necessariamente da tua pessoa. Uma pessoa demasiado ingénua, com uma péssima auto-estima, uma baixíssima auto-crítica racional e uma inexistente capacidade de pensar o que existe à volta e que cai sobre ti como uma ave de rapina sem dó de te dilacerar com as grandes garras curvas e esfolar com o grotesco bico afiado.

Hoje já não consigo caracterizar a tua natureza. Não sei se é boa ou se é má. Se é talvez um misto das duas. O mais provável é que não tenhas natureza simplesmente porque não existes enquanto pessoa individual mas sim como o resultado de tudo o que te injectaram pelas costas. E foi tanto o que essas agulhas introduziram no teu ser, que agora já nada resta do pouco que poderia existir com o teu nome. Só consegues ser tu sendo outros. E isso não é bom. Isso é sempre o princípio do nosso fim. Quando deixamos de ter personalidade própria, quando deixamos de ter gostos, quando deixamos de assumir escolhas... É aí que começamos a deixar de existir.

Estás-te a esfumar.

terça-feira, setembro 01, 2009

Força

Da primeira vez disseste que seria mais fácil que um golo do Jardel de cabeça.

Depois da terceira vez, continuo a achar que não é bem assim. Mas o que contou foi a tua intenção. E essa deu-me mais força que qualquer verdade absoluta que me pudesses falar.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Veneno

Não posso ser mais sincero quando digo que não sei porque o fizeste. Não tenho mesmo a mais pálida das ideias de modo a que o consiga justificar. Como foste capaz? Quero que me digas. Diz-me como é que foste capaz sua grandessíssima cabra de merda... Explica-me como tiveste a audácia de prostituíres sentimentos e relações de uma forma tão banal e vulgar. Como conseguiste tornar corriqueiro algo que tanto do sagrado se aproxima? É tudo tão surreal e retirado de um contexto que não existe em lado algum. O enredo e as personagens são nuvens de fumo cuja cor nem consigo discernir do nevoeiro denso que as envolve.

Sabes... Ninguém te merece. E tu não mereces ninguém também. De nenhuma maneira. E tu sabe-lo porque o sentes quando se crava bem fundo na tua pele. No teu cérebro. Principalmente no teu coração. Não jogas limpo e preferes andar por trás, qual animal medroso escondido e minimalescamente agachado atrás dos calcanhares de quem te tem num altar para assim poderes morder e pisar quando mais te apetece e quando menos te esperam. Porque nunca te esperam. Porque nunca conseguem ver. Porque nunca querem ver.

Jamais algo que eu possa ter ou não feito poderá servir de pré-pagamento para o recibo que me passaste. Só algo que exista somente no teu mundo. Nesse mundo de valores corrompidos e fúteis, onde o que interessa é a aparência e o objectivo a curto alcance. Onde a vista só enxerga aquilo que dá prazer no instante e que satisfaz os teus mais profundos impulsos decrépitos, incoerentes e sem nexo. Impulsos que vestes de morais, mas com roupas tão andrajosas que não chegam para cobrir o odor putrefacto que sob elas exala. Ages no momento como quem quer desesperadamente apreender algo ou alguém, com vista a prendê-lo a uma conversa de esquina que de pior e falso só tem menos que a alma que não tens. És a primeira pessoa a trair a tua própria pessoa que não existe. Porque não olhas para ti? Porque não falas de ti? Porque não assumes as tuas estórias? Porque não admites os teus pecados? Porque não os bradas aos céus? Porque não os bradas como fazes aos dos outros, mesmo que inventados por essa mente perversa e corrompida por sistemas desconectados de toda a ética? Porque não cantas a tua vida bem alto?

É tão mais fácil falar dos outros. Tão mais fácil não querer falar de ti. Porque aí terias tanto para falar. Porque aí talvez deixasses de ter alguém para te ouvir. Porque todos os erros que os outros cometeram, tu já os cometeste também. E cometeste-os mais vezes. E cometeste-os de uma maneira mais vil. E cometeste ainda aqueles que nem se ousam pronunciar. És um nojo. És pior que isso. És um castelo de cinza à espera de uma brisa que te sopre ao chão. Ou para lado nenhum. Um castelo que hoje só se deveria manter de pé colado pela saliva cuspida por todos aqueles que te deveriam desprezar do alto de onde os tentas, impacientemente, tirar.

quarta-feira, agosto 12, 2009

Revoltado

Revoltado. É isto que as pessoas me chamam. Revoltado... Julgam elas que tenho um pequeno vulcão dentro de mim a destilar constantemente veneno e ira. Que cospe sem parar uma vontade eterna de ser do contra. De ser diferente por necessidade. De embirrar com o mundo só porque sim. De me revoltar contra tudo e todos.

Eu chamo-lhe inconformado. Gosto de não me ficar com aquilo que não corresponde aos meus valores. Opto por ser honesto comigo próprio e lutar para atingir sempre aquilo que melhor se adequa a mim. Não me conformo com resultados negativos, opções erradas, posições desleixadas. Não aceito. Não tolero. Por isso luto, procuro, esforço-me, desgasto-me. Sei que posso pagar, por vezes, um preço bem alto. Posso pagar em pessoas, em relações. Em objectos também. Mas pelo menos sou fiel a mim próprio e à perfeição que tento atingir comigo mesmo.

Quem me conhece sabe que sou assim. Por vezes uma parede perante armas que me ferem de morte as minhas mais puras fundações. Mas pelo menos posso-me gabar de ter princípios próprios. Posso-me gabar de ter princípios que não são dos outros. Posso-me gabar de não ceder a pressões externas para os trucidar. Ao contrário de vocês que vão ao sabor da sociedade e daquilo que mais vos dá jeito quando vos apetece. Ou quando não vos apetece.

Podem-me chamar revoltado as vezes que quiserem. Ou coisas bem piores se acharem melhor. Independentemente disso, nunca vão chegar a ser tão íntegros como eu sou e sempre serei.

sexta-feira, julho 31, 2009

Reflexão

Nunca antes precisei de parar como agora. Para rever, para pensar, para reflectir. Para escolher, decidir. Para recomeçar a andar de novo, outra vez. Acho que já voltei.

quinta-feira, junho 25, 2009

Free at last

Acabaram as longas noites de Domingo à espera que o trabalho estivesse feito em condições. Acabaram as longas sessões de sugestões, correcções, contra-sugestões e contra-correcções. Acabaram essas longas sessões cujos resultados eram por vezes nulos e que necessitavam de repetição de toda a sessão. Acabaram os trabalhos entregues às prestações. Acabaram as manhãs ansiando a última frase que haveria de chegar atrasada numa folha de papel solta. Acabaram os cuidados e descuidados para que tudo aparecesse feito. Acabaram as faltas de responsabilidade mal justificadas e tapadas pela competência de outros. Acabaram as horas extraordinárias, os porque "não me apetece" ou os "daqui a bocado". Acabaram os "ainda falta muito tempo". Acabaram-se as faltas de comunicação ou as más comunicações. Acabaram as longas listas de e-mails a chegar em catadupa à hora do fecho da editorial. Acabaram noites pouco dormidas por causa disso. Acabaram as desconversas e as poucas conversas. Acabaram as procuras de coerência para uma manta de retalhos. Acabaram, acabaram, acabaram.

Finalmente acabaram a merda dos trabalhos de grupo.

"Free at last, free at last, almighty Lord we are free at last!"

quarta-feira, maio 27, 2009

Cereja

Há dias péssimos. Há outros menos bons. Há ainda aqueles que são banalíssimos. Mas felizmente há também aqueles a que podemos chamar de perfeitos.
Há dias em que nos levantamos a irradiar felicidade. Em que todo o mínimo gesto ou movimento que fazemos sai sempre conforme o planeado. Conseguimos ser felizes com os outros. Com alguns outros. Rimos e brincamos. Dispensamos por completo o trabalho e temos o prazer de gozar o dia inteiro na maior das despreocupações. Ainda bem que há dias assim. Dias em que, para além de tudo correr bem, podemo-nos ainda gabar de ter vencido algumas guerras bem pessoais. Aquelas guerras tão nossas e que se discutem ao pormenor. A nossa felicidade às vezes também passa pela desgraça e miséria dos outros. E não tenho medo de dizer que sabe bem. Sabe bem porque nós estamos bem. Mesmo que seja com o mal dos outros. E nestes dias perfeitos é óptimo ver e sentir que fomos capazes de estragar o dia a alguém que simplesmente já o andava a merecer há algum tempo. É a cereja no topo do bolo.

quarta-feira, maio 20, 2009

Julgamento

Não me julguem pelo que vocês julgam que sabem. Julguem-me antes quando souberem aquilo que eu sei.

domingo, maio 10, 2009

Tarde

Nunca te conheci. Não consigo sequer imaginar como serias. Loiro ou moreno. Alto ou baixinho. Gorducho ou trinca-espinhas. Sei no entanto que eras um pequeno rapazinho como muitos outros que não viveram o que tu viveste. Certamente brincarias durante quase todo o dia. Com os teus pais, irmãos e avós à tua volta. Serias provavelmente muito feliz na tua ingenuidade própria de criança. Viverias numa vida que para ti era eterna e sem perigos, repleta de sonhos e momentos únicos e insignificantes para quem não tinha o teu tempo e habilidade para lhes dar significado.
Um dia essa tua vontade infinita de descobrir não te aconselhou devidamente. A tua curiosidade desmedida por querer conhecer um mundo enorme em meros segundos deixou-te escorregar. Talvez quisesses apanhar o teu próprio reflexo. Ou fosses em busca de um brinquedo que deixaras cair. Ou simplesmente estivesses fascinadamente vidrado nos pequenos movimentos da água quando o vento a beijava à superfície. Independentemente do motivo, a verdade é que mergulhaste. Mergulhaste na água demasiado profunda, extensa e pesada para que dela te conseguisses desembaraçar. Se calhar nem deste por nada. Nem tu nem mais ninguém que estivesse por perto. Se calhar foste ao fundo, na mais honesta das calmas, puxado pelo peso das tuas roupas coloridas e cheias de bonecos. Camisas-de-forças que acabaram por te prender irremediavelmente, sem hipótese de saída.
Quando te acharam, estranhando o teu silêncio, já lá estavas há demasiado tempo. Pouco tempo, mas demasiado. Descobrindo forças e rapidez que desconheciam neles próprios, trouxeram-te à tona completamente ensopado. Estavas pálido. Branco de morte e com os lábios roxos, frios e inertes. Nem conseguias ouvir os gritos, os choros e toda a restante azáfama à tua volta. Mas o teu coração ainda batia timidamente e a tua respiração, ainda que superficial, tentava aspirar a vida à tua volta para dentro do teu corpo. Esporadicamente contorcias-te todo, de uma forma horrendamente anárquica, levando os teus braços e pernas a serem projectados sem sentido e na direcção que bem entendiam. Agarravam-te com medo que fugisses. E tu não eras diferente: também tu te tentavas agarrar, embora não sabendo bem ao quê.
O tempo passava de uma forma demasiadamente sonolenta e sussurrada, como se teimasse em arrastar-se sem pressa alguma. No entanto, foi num ápice que voaste e galgaste quilómetros em busca do teu elixir da vida eterna. Os vultos brancos rodopiavam à tua volta, num rodopio de sombras, vozes e acções muitas vezes mecanizadas e conscientemente desconsciencializadas. Análises, sangue, agulhas, oxigénio, tensão arterial, temperatura, ... Não respondias a ninguém. Gostarias certamente de gritar por ajuda, de pôr cá fora a dor que tinhas dentro de ti. Mas estavas já preso dentro da tua própria cabeça. Médicos, macas, enfermeiros, camas, ... Naquela sala só tu ainda eras nítido. Estático no meio de imagens constantemente desfocadas à tua beira, como uma fotografia que não consegue focar o objecto astuto que se mexe sem se deixar eternizar.
Nunca te conheci. Não consigo imaginar sequer como serias. No entanto sei que devias ser forte e teimoso. À medida que passo as folhas deste monte, todas com o teu nome, vejo a tua luta incessante e injusta. Vejo o trapo em que chegaste, incapaz de chorar aquela última lágrima ardente e dolorosa. Os números das inúmeras quantidades de líquidos e medicamentos que te correram nas veias correm-me à frente dos olhos. Uns atrás dos outros, adicionando-se regradamente página após página. Melhoras discretamente. Ainda aí estás. Agora é uma máquina que respira por ti. Que te enche os pulmões de alimento e a mente dos outros de esperança. Mas estás demasiado parado. O rodopio não pára, agora mais sub-reptício e tremendamente silencioso. Tens tubos por todo o lado. No nariz, na boca, nos braços. Aparelhos electrónicos que registam e regulam todo o resquício de vida que ainda te resta. Barulhos monótonos e apitos repetidamente iguais. Luzes perdidas na escuridão do quarto, reflectindo no teu corpo despido. De vestes e de quase tudo.
Passo a página. A última. Não acho que tenhas desistido. Talvez tenhas ficado sem forças. Estavas a afogar-te vertiginosamente na água que inundava os teus pulmões. Já nada te servia e tratava. Tudo o que te era dado era insuficiente. Eram só desesperos. Estavas a ser destruído aos poucos por dentro, como se tivesses engolido uma comida mesquinha que te rasga devagar como quem quer magoar. Todos os órgãos falhavam. Um a seguir ao outro. Por mais que alguém te puxasse para cá, tu já não vinhas. Nem conseguirias vir se tu próprio tivesses a força do mundo. Do teu antigo mundo.
As palavras na folha continuavam em catadupa. Numa sequência negra e com fim óbvio. Linha após linha desaparecias fugazmente. Não deviam ser dados desafios destes a pequenas crianças como tu. Desafios perdidos à partida. Mesmo quando jogados com a ajuda de tanta gente como a que te tentou ajudar. Que tentavam como se fossem eles próprios. Como se também fossem eles. Como se também fosses deles. Mas já era tarde. Muito tarde. Tarde no relógio e tarde para ti. Tinha acabado. Tu tinhas acabado.

Time of death....

sábado, abril 25, 2009

Virtudes e defeitos

Embora consigamos conhecer as virtudes de alguém quando gostamos dessa pessoa, geralmente só temos capacidade para ver os defeitos quando ganhamos coragem para a detestar.

quinta-feira, abril 16, 2009

Destruição

Ando com uma tremenda vontade de destruir isto tudo... E o problema é que tenho plena noção de que tenho capacidade para o fazer.

segunda-feira, abril 13, 2009

Desprezo

Dizem ser a melhor fase da vida de cada um de nós. Nunca senti isso e começa a ficar tarde para continuar a manter as esperanças de que tal ainda venha a acontecer. São demasiadas coisas que não funcionam. Demasiados erros e faltas de tudo o que se pode imaginar. De respeito, de presença, de consideração, de tempo, de coerência. O ruir de uma ilusão exageradamente perfeita para que um só tijolo dela se tornasse realidade. As expectativas armadas em grandezas são sempre assim: meros edifícios mentais e intelectuais cujas fundações são fundamentos infundados sobre a natureza humana. Fundamentos que se fundamentam no facto de existir uma natureza humana sobejamente fundamentada.
E a ti te devo quase tudo isto. A ti te devo o cimento com que construí este meu arranha-céus. A argamassa que não passa de areia fina que foge à mais minuciosa peneira. A mesma peneira que, por fim, ganhou buracos para não mais te tapar. E te expor horrivelmente à luz de todos os dias. Para te despir de todo o batom, base, rimel e outros que tais que te cobriam. Para revelar a tua honesta falsidade por trás de toda a teatralidade de merda que ostentas.
Muito sinceramente... Desprezo-te.

domingo, março 15, 2009

Lei

Ainda não me esqueci do que aconteceu. Ainda o tenho bem presente na minha mente. Ainda consigo ver o filme de todos os momentos que pairaram à minha volta. Ainda consigo ouvir todas as palavras tão nítidas como se estivessem agora a ser proferidas. Ainda vejo esses sorrisos de merda a iluminar espíritos de gozo e desprezo. Ainda reconheço (e cada vez mais) essa dualidade de critérios e maneiras de agir perante tudo e todos. Infelizmente ainda vivo isso tudo na minha pele.
A ti desculpo-te porque sim. Contigo nem me interesso porque não vales a pena. A ti não te perdoo jamais enquanto tiver juízo. Se essas são as regras, também eu usarei dualidades de interpretações e acções. Quando me apetecer. Não é essa a lei?

domingo, março 01, 2009

Más acções

Muitas vezes as más acções partem de muito boas intenções.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Perfume

Sabes do que é que eu mais gosto quando dormes na minha cama? A possibilidade de ficar com o teu perfume nos meus lençóis e na minha almofada, mesmo depois de te teres ido embora.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Over-friendly guest

Do you know how pale and wanton thrillful comes death on a strange hour ..., unannounced, unplanned for ..., like a scaring over-friendly guest you've brought to bed?

Jim Morrison

Os amigos são como a morte. Matam-nos sem aviso. Chegam calma e capitalmente sem nos apercebermos. Entram na nossa cama, na nossa casa. Na nossa vida. Tantas vezes sem permissão. Quase sempre sem autorização. Nunca com aviso prévio. Vêm de graça, oferecidos e cobertos de veneno. Prendas madrastas. Emocionantemente vazias ou então não. Ou então repletas de aventuras decorrentes das desventuras que nos causam. Vultos despidos de coração que movimente o sangue que não têm. Brancos de cal e de frio que apaga sempre, a qualquer instante, qualquer sopro quente que se ouse levantar. Estranhos que à força nos forçam a deixá-los consumir a nossa existência. A roer os nossos actos. A matarmo-nos de dentro para fora. Só porque os deixámos chegar. Só porque não podíamos evitar que chegassem. Só porque os amigos são a morte de todos os nossos dias. Aquela que nos molesta indefinidamente. E infinitamente. E que dói mais que a original, que só vem uma vez. E no fim.

domingo, janeiro 25, 2009

Mundos invertidos

Perguntei-te se querias ir. Não me respondeste.

Perguntei-te se querias ficar. Nem para mim olhaste.

Perguntei-te o que te faltava. Ignoraste-me por completo.

Perguntei-te porquê. Viraste a cara.

Perguntei-te se valia a pena. Suspiraste para o ar.

Perguntei-te o que se passava. Não me disseste nada.



Não te respondi. Não me perguntaste se queria ir.

Nem para ti olhei. Não me perguntaste se queria ficar.

Ignorei-te por completo. Não me perguntaste o que me faltava.

Virei-te a cara. Não me perguntaste porquê.

Suspirei para o ar. Não me perguntaste se valia pena.

Não te disse nada. Não me perguntaste o que se passava.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Definições VI

"Morte" desejo profundo de que alguém desapareça da nossa vida, de forma física ou mental. Não necessita de "morrer" para outros. Tem simplesmente e somente de "morrer" para nós. Para sempre.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Não te atreverias...

Se tiveres o azar de eu chegar a saber que fizeste comigo o mesmo que fizeste com outras pessoas, acho que me encherei de coragem para te partir de cima a baixo. Claro que não de uma forma literal. Mas de uma forma que te vai doer muito mais.