segunda-feira, novembro 26, 2007

Casas

As nossas casas são os refúgios onde parte de nós cresceu. A bem ou a mal. E, para o bem ou para o mal, estaremos sempre a elas ligados...
Houve quem ousasse destruir-me uma casa. Mesmo que fortuitamente. Depois de tanto tempo e apesar de estar já tão longe, ainda me senti atingido e cravejado por estilhaços que de lá voaram. Angustia-me ainda aquele buraco demasiado profundo para a minha vista e para a minha memória. Aquele buraco não pertence ali. Aquele buraco não existia ali. Não existia quando eu lá existi. E, se assim é, não pode ser real. Aquele buraco não é real na minha realidade da minha casa.
Lembro-me de todos os cantos, mesmo com os olhos fechados. Sei as brincadeiras que lá tive e as horas infindáveis com as quais me deliciava. Recordo-me das pessoas que por lá passaram e de tudo o que representaram ou ainda representam no meu eu.
A varanda com o armário dos brinquedos e as tartarugas em cima das máquinas. A cozinha com os canos rotos e cheia com a mesa enorme onde peregrinamente se estudava. O hall com o tapete de Arraiolos, tabuleiro dos mais diversos jogos. A sala, encabeçada pelo piano que se ouvia à distância, onde festejei um golo de um egípcio vermelho que só adiou o riso verde. O escritório onde reinava o computador, a aparelhagem e as imensas horas lá passadas. O corredor, campo de futebol que até a fracturas múltiplas teve direito. Os quartos onde começava o refúgio e onde acabava o sossego. O mítico empedrado inclinado, local de concentração, onde o suor corria a bicas, por vezes até altas horas, e que nunca mais foi o mesmo.
Aprendi muito ali. Muito sobre muitas coisas. Saí quando senti que deveria sair, apesar de lá ter sempre ficado. As saudades das mesmas rotinas repetidas... Nós somos todos os pedaços que deixamos pelo nosso caminho, nas mais diversas situações e lugares. Somos o que vivemos, onde vivemos e com quem vivemos. Mesmo à distância temporal e espacial, os nossos pedaços ainda nos marcam e doem quando alguém se atreve a quebrá-los.

1 comentário:

Anónimo disse...

Identifico-me com tudo o que escreves. Percebo tudo. Sinto tudo.
Não o exteriorizo como tu, não sou capaz. Admiro-te por isso.
Admiro-te por teres escrito as coisas que escreveste, do modo como o fizeste. Admiro-te por pensares como pensas, por reflectires.
Admiro-te por veres o mundo,por o veres realmente, como também o vejo.. Por tirares fotografias..apesar dos dias atarefados que imagino que tenhas.
Admiro-te por não seres como os outros que nos rodeiam.
E quase nem te conheço, apesar de sentir que te conheço desde sempre.
Obrigada por seres como és (ou suponho que sejas), porque se tu existes devem existir outros como tu, e isso faz-me investir em mim..faz-me ter esperança.