sexta-feira, agosto 28, 2009

Veneno

Não posso ser mais sincero quando digo que não sei porque o fizeste. Não tenho mesmo a mais pálida das ideias de modo a que o consiga justificar. Como foste capaz? Quero que me digas. Diz-me como é que foste capaz sua grandessíssima cabra de merda... Explica-me como tiveste a audácia de prostituíres sentimentos e relações de uma forma tão banal e vulgar. Como conseguiste tornar corriqueiro algo que tanto do sagrado se aproxima? É tudo tão surreal e retirado de um contexto que não existe em lado algum. O enredo e as personagens são nuvens de fumo cuja cor nem consigo discernir do nevoeiro denso que as envolve.

Sabes... Ninguém te merece. E tu não mereces ninguém também. De nenhuma maneira. E tu sabe-lo porque o sentes quando se crava bem fundo na tua pele. No teu cérebro. Principalmente no teu coração. Não jogas limpo e preferes andar por trás, qual animal medroso escondido e minimalescamente agachado atrás dos calcanhares de quem te tem num altar para assim poderes morder e pisar quando mais te apetece e quando menos te esperam. Porque nunca te esperam. Porque nunca conseguem ver. Porque nunca querem ver.

Jamais algo que eu possa ter ou não feito poderá servir de pré-pagamento para o recibo que me passaste. Só algo que exista somente no teu mundo. Nesse mundo de valores corrompidos e fúteis, onde o que interessa é a aparência e o objectivo a curto alcance. Onde a vista só enxerga aquilo que dá prazer no instante e que satisfaz os teus mais profundos impulsos decrépitos, incoerentes e sem nexo. Impulsos que vestes de morais, mas com roupas tão andrajosas que não chegam para cobrir o odor putrefacto que sob elas exala. Ages no momento como quem quer desesperadamente apreender algo ou alguém, com vista a prendê-lo a uma conversa de esquina que de pior e falso só tem menos que a alma que não tens. És a primeira pessoa a trair a tua própria pessoa que não existe. Porque não olhas para ti? Porque não falas de ti? Porque não assumes as tuas estórias? Porque não admites os teus pecados? Porque não os bradas aos céus? Porque não os bradas como fazes aos dos outros, mesmo que inventados por essa mente perversa e corrompida por sistemas desconectados de toda a ética? Porque não cantas a tua vida bem alto?

É tão mais fácil falar dos outros. Tão mais fácil não querer falar de ti. Porque aí terias tanto para falar. Porque aí talvez deixasses de ter alguém para te ouvir. Porque todos os erros que os outros cometeram, tu já os cometeste também. E cometeste-os mais vezes. E cometeste-os de uma maneira mais vil. E cometeste ainda aqueles que nem se ousam pronunciar. És um nojo. És pior que isso. És um castelo de cinza à espera de uma brisa que te sopre ao chão. Ou para lado nenhum. Um castelo que hoje só se deveria manter de pé colado pela saliva cuspida por todos aqueles que te deveriam desprezar do alto de onde os tentas, impacientemente, tirar.

1 comentário:

Sophia disse...

Este "veneno" pode caber a tanta gente e isso é que é triste. E mais triste ainda que isso é saber que só esses a quem cabe este "veneno" é que têm, ou julgam ter, o seu antídoto.