sábado, dezembro 25, 2010

Desejo para 2011

Que sejamos todos um pouquinho egoístas. Porque, hoje em dia, se não nos preocuparmos connosco, quem é que se preocupará?

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Descriação

És a maior das desilusões da minha vida. És aquela pessoa em que, por vezes, encontrei pedaços do que gostaria de ser para ser melhor. Pedaços que complementariam falhas que todos temos e muitas vezes não queremos assumir. Julguei que serias merecedor de tudo aquilo que sempre viram em ti e que de ti quiseram fazer de uma forma tão natural que quase nem percebeste. Daquele quadro idílico desenhado com a mais pura das ingenuidades e certezas que se encontram num pincel nu e ainda virgem. O tempo mostrou-me que estava errado. Que todos nós estávamos errados. Que tu também estavas errado. O problema é que os outros foram agora obrigados a estar certos enquanto tu, isolado na tua ignorância e incompreensão das mais básicas leis humanas, continuas sentado ao canto batendo o pé em defesa das tuas falhas.
Onde encontraste a coragem para te dessuperares tão grosseiramente? Como reuniste a força para descriar o que já há muito estava frágil? Deu-te prazer quebrar algo que se iria partir por si próprio sem necessidade de um soco no estômago? Usurpaste à socapa algo que nunca seria teu por direito e, mesmo após o teres furtado, não ganhaste o direito a possuir tal privilégio. Faltou-te a esperteza e, acima de tudo, a inteligência para saberes até onde pisar. Ao roubares do prato que te alimenta, do roupeiro que te veste ou da casa que te abriga, roubaste igualmente o resto de vergonha ou dignidade que poderias ainda possuir depois de toda a vitalidade que optaste por sugar para alimentares uma fome viciosa que te suga a ti próprio. Foi esse o caminho que escolheste e que agora te escolhe a ti de forma recíproca: o da mentira, o da falsidade, o do teatro, o da fuga antes que te apanhem, o da invenção. Do lado de cá deixas um mundo de incredulidade, de pasmo, de sofreguidão, de surrealidade. Por existires nessa tua actual essência e ausência, o mundo readquire novos contornos, novas cores, novos conteúdos. Novos mundos. E isso não é, de todo, interessante e convidativo. Tornaste-o mais que relógios de Dalí, demoiselles de Picasso ou salpicos de Pollock. Porque esses são suficientemente palpáveis, embora fruto da ficção de alguém, para que possam ser de algum modo apreendidos pelo nosso corpo e mente. O que tu criaste é um monstro que ultrapassa essas barreiras e explode com todos os limites que a vida me permitiu até hoje conhecer.
Não sei já onde te encontras. Às vezes chego mesmo a pensar se alguma vez mais te voltarás a encontrar. Tento varrer da minha mente aquilo que eu espero não ser verdade mas que os outros dizem não ser mentira. Isso significaria um turbilhão em espiral do qual já não conseguirias estender a mão em busca de um auxílio que há muito teimaste em afastar e despedaçar em tons de mesquinhez que ninguém te conhecia. Tenho medo que já lá estejas, bem atracado. Tenho medo também por ti mas cada vez menos por ti. Porque os teus tentáculos, de forma deliberada ou não, agarram inocentes como ventosas, que se consomem a ritmos tão ou mais céleres que tu. E são esses que cada vez mais me interessam e preocupam. Por ser injusto e não ser meritório. Por também me doer. Por me doer ver o definhar lento e agonizante. Por me doer ter que escolher.
Nunca vou esquecer. Nunca vou desculpar. Porque não quero e não posso. Porque não há razão ou explicação lógica possível de ser criada da forma mais arquitectada imaginável. Porque as tuas acções simplesmente revelam o total desnorte de um ser caído em desgraça. A aparente total perda de todas as suas capacidades que podiam ser brilhantes. A auto-flagelação das virtudes que outrora foram gabadas e veneradas. Afinal de contas, talvez os "sempre-em-pé" também caiam. Afinal de contas, talvez não existam "sempre-em-pés".

terça-feira, novembro 30, 2010

A todos

Hoje agradeço a todos os que fizeram do meu caminho aquilo que eu percorri para chegar onde estou agora. Aos que me deitaram ao chão e me obrigaram a levantar com mais força. Aos que me ampararam quando as minhas paredes e o meu chão tremeram e se liquefizeram sem eu dar conta. Aos que me difamaram e mal-disseram, fazendo com que eu fosse mais eu próprio para que essas mentiras fossem meros farrapos de névoa. Aos que me defenderam, por vezes em prejuízo próprio, porque simplesmente acharam que o deviam fazer. Aos que me ignoraram e assim me ensinaram a retribuir na mesma moeda. Aos que me abraçaram, dizendo-me dessa forma aquilo que possivelmente as palavras não poderiam exprimir. Aos que me tentaram ultrapassar pisando-me, porque no fim continuei a ser eu a rir-me. Aos que me tentaram ultrapassar ajudando-me, porque no fim soube ficar feliz por vocês. Aos que foram inexistentes. Aos que estiveram sempre presentes. A todos. Porque, graças a todos, chego aqui hoje de pé. E no final, é sempre isso que conta. Obrigado.

sábado, outubro 30, 2010

Falar em silêncio

Gosto de ouvir a chuva lá fora, tentando distinguir cada gota cuja água resvala suavemente. Gosto de a ouvir lá fora enquanto estou aqui dentro, entusiasmado com essa grande distância tão próxima. Aqui dentro aconchegado entre lençóis e mantas, recolhendo-me do frio que tenta bater-me às janelas de forma quase inofensiva.
Lá fora o vento partilha o seu espaço com a chuva. Aqui dentro és tu que te anichas em mim. Colocas a cabeça no meu ombro enquanto eu te afasto o cabelo da testa e te dou um beijo. Um beijo de "boa noite" e um beijo de "estou sempre aqui". O teu braço agarra-me e, por outras palavras, diz o mesmo que o meu beijo. Porque partilhar é também conseguir falar em silêncio, de olhos fechados, e entender tudo aquilo que se diz sem se dizer.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Algarismos

Ei-los. Os marialvas desta vida, cuja vida é a ostentação do que têm e não têm. Porque a grandiosidade do ser se mede pelo que aufere e adquire e não pelo que faz ou é. Porque a vida é aquilo que se mostra e se quer que os outros vejam, como feitos grandiosos assentes em pedaços de papel e de metal que ofuscam a total leviandade e ausência de polpa sob uma casca demasiado decorada a preceito.
Para que importam os valores? Os princípios? As relações? Os outros? Desculpam-se com pressupostos e ideias pré-fabricadas e erradas de base para que consigam impingir uma cegueira fosca a quem desejavam não conhecer. Sabem que falham, julgando que o fazem de forma subtil, matreira e esperta, esperando assim atalhar caminho a direito por rotas que não existem e que tentam fazer brotar à força. Simplesmente porque não interessa dar sem se receber. Não interessa sequer dar mesmo que se receba. Percursos de sentido único que capitalizam tudo o que é valorizável, desprezando tudo aquilo que tem mais valor que isso. Porque (ainda) nem tudo é quantificável para que possa ser comparado e sobrevalorizado, subjugando-se o que sobra e se afunda sob números que nunca deixarão de ser isso mesmo. Algarismos. Algarismos que, tirados do contexto que tentam construir, mostram somente a nua realidade e a crua tristeza do vazio que comportam essas acções.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Amor

Amor. Que sabes tu dele para dele tão eloquentemente falares? Mostra-me como articulas essas palavras em ideias moldadas pelos teus lábios que mentem a verdade com que tentas os outros deleitar. Agora ouve-te a ti própria e ao tão sem sentido que declamas entre falsidades das quais te moves como gelo do fogo. Percebes agora o quão desnaturais e inconsequentes são as bolas de sabão que tentas fazer subir ao céu?

Amor. Que sabes tu do amor pelos outros para que com tanta ânsia o tentes ensinar a quem ainda se deixa enganar em te escutar? Como ousas ousar tanta ousadia quando o amor que usas e com o qual te pintas todos os dias não é mais que aquele que te serve a cada momento? O teu amor pelos outros é o amor que em primeiro te satisfaz. Aquele com o qual brincas ao belo sabor dos teus desejos carnais e mais arcaicos. Como uma criança que joga com um brinquedo e tão cedo se farta por querer o alheio. Só porque apetece. E dá mais prazer.

Amor. Que sabes tu sobre o que é ter e fazer crescer um amor se contigo ele nunca passa de uma erva bravia e daninha que é sempre rasteira e só tenta abafar quem acima dela tenta crescer? Tens a boca demasiado suja para que as frases devessem ter permissão a soar, tamanha é a traição, a insensibilidade e a morte de espírito que causas a quem se enrola no teu "amo-te" frio em busca de um conforto inexistente. Mas tu sabes o que é o amor. O amor pelo teu próprio ser. Aquele amor narcisista que tem o dom de preencher os outros de um vazio só menor que a tua plenitude que com ele alcanças. O qual bebes como sangue que te alimenta como só de isso dependesses.

Amor. Que sabes tu como o dar se obrigaste todos a de ti o tirarem? Olha à tua volta e não te lamentes pela ausência de presenças que te abram os braços e te acolham. Vê-se que lutas desesperadamente, em constante fuga para um lugar em que julgas fugir dos desamores que construíste para que novos voltes a erguer. Sem que tenhas que carregar aqueles olhos cravados na tua nuca e aquelas mãos apertadas na tua garganta a tentarem fazer escoar aos poucos a réstia de esperança e de sentimento de superioridade que a vida teimosamente ainda te dá.

Estás longe desse lugar... Tão longe...

quarta-feira, julho 21, 2010

Eu? Sim...

Não achas que há alguma coisa errada? Não sentes que há algo a menos? E isso não te incomoda? Não fraquejas à falta de um suporte? Perguntas-te porquê? Desabafas com alguém? Não te amarras ao orgulho? Não te restringes às tuas leis? Não te estagnas e dilaceras assim? Reconheces onde pisaste ao lado? Reconheces quando pisaste demais? Pensas nisso com frequência? Consomes-te por vezes? Irritas-te e revoltas-te a tempos? E depois, recordas-te? Enterneces-te de olhos fechados? Percorres letras construídas? Decalcas de cor sons memorizados? E aí, não vês a incoerência? Não procuras a coerência para voltar a esse passado todo?

E não tens saudades de esse passado todo?

terça-feira, junho 29, 2010

Definições VIII

Felicidade: objectivo que se atinge após percorrer um caminho por vontade própria e simultaneamente por ausência de interferência de outros.

sábado, maio 22, 2010

Gosto II

Gosto de dormir pouco. Gosto de estar acordado. Gosto de aproveitar o tempo que estou acordado. Gosto de comer depressa. Gosto de ter pressa. Gosto de ser pontual. Gosto que os outros sejam pontuais. Gosto de andar. Gosto ainda mais de correr. Gosto quando ainda tenho pernas para o fazer. Gosto de fingir que jogo futebol. Gosto de marcar golos. Gosto daquele momento em que, depois de marcar o golo, olho para os meus pés e fico contente com o que acabaram de fazer. Gosto de ver jogos de ténis e de snooker. Gosto de ver ciclismo. Gosto de andar de bicicleta. Gosto de "dar o litro" em cima da bicicleta. Gosto de ir longe. Mais longe ainda que isso. Gosto de me superar. Gosto de dar sempre o máximo. Gosto de me ganhar. Gosto de ganhar. Gosto de perder quando sei que perco bem. Gosto de ti. Gosto dele e dela. Gosto de vocês. Gosto de poupar dinheiro. Gosto de o usar correctamente. Gosto do Futebol Clube do Porto. Também gosto do Vitória Futebol Clube. Gosto do preto, do branco, do azul e do castanho. Gosto de vestir camisas com calças de ganga. Já gosto de calções. Gosto de calçar ténis. Gosto de andar descalço. Gosto da praia vazia. De preferência do Inverno. Gosto do mar em rebuliço. Gosto do mar em rebuliço a desfazer-se na areia. Gosto do mau tempo. Com frio, chuva, vento e trovoadas. Gosto da noite. Gosto do silêncio das estrelas à noite. Gosto de escrever. Gosto de escrever com canetas de aparo. Gosto que leiam o que eu escrevo. Gosto de ler o que os outros escrevem. Gosto de fazer e receber surpresas. Gosto de uma carta com um texto sincero. Gosto de tocar piano. Gosto simplesmente de estar sentado ao piano. Gosto de música. Gosto das músicas que me provocam um arrepio na coluna. Gosto de mostrar as minhas emoções. Gosto quando sou sincero e me emociono. Gosto quando fico com a voz embargada de saudades e nostalgia. Gosto de animais. Gosto de gatos. Gosto de Shar-Peis. Gosto de medicina. Gosto muito de história e arqueologia. Gosto de Portugal. Gosto das minhas terras. Gosto de ter tudo arrumado. Gosto de dar uma ordem lógica a tudo. Gosto de saber. Gosto de jantar e ficar a falar por saber que não tenho nada que fazer depois. Gosto de fazer noitadas em boa companhia. Gosto de discussões. Melhor. Gosto de trocas de ideias. Gosto que me respeitem a opinião. Gosto de dar a minha opinião. Gosto de ser feliz. Gosto de me rir. Gosto de fazer os outros rir. Gosto de ser diferente. Gosto de ser como sou. Gosto de mim.

domingo, abril 18, 2010

Vultos escuros

Sei porque voaste. Sei porque abriste as asas e tentaste fugir do teu recanto. Julgaste que, lá longe, deixarias os vultos escuros que te assombram bem distantes de ti.

Quando lá chegaste, não encontraste o conforto que buscavas. Não identificaste alguma diferença em relação ao que havias deixado, mesmo quando invocaste anjos brancos de envergadura larga para te proteger. Enganaste-te. Quando lá chegaste, já lá eles estavam à tua espera. Era como se os vultos escuros tivessem adivinhado o teu destino predestinado só para te penitenciar quando arquitectaste aquele que sabias ser o teu derradeiro plano de escape.

Mesmo lá longe, são esses vultos escuros que se mantêm bem pertinho, circundando-te de forma sorrateira e abafante, gelando o vapor de água que expiras e fazendo-o cair como farpas nos teus próprios pés. São eles que te fazem companhia nas noites em que a tua pessoa está abandonada e implacavelmente vergada debaixo dos lençóis de uma cama que não te embala. São eles que te amarelam o sorriso quando, por fugazes momentos, foges da realidade e eles rompem pelo teu pensamento lentificadamente apagado e quase morto. São eles que te tiram o gozo da mais pequena alegria que achas ser capaz de alcançar quando de forma sarcástica eles te dão a sensação de estares livre. São eles que te toldam a imagem quando alguém olha para ti através dos teus olhos verdadeiramente vazios e que eles não te deixam voltar a encher. São eles que apagam as luzes da rua quando caminhas sem destino entre casas a dormir e te fundem com o nada da escuridão que preenche o ar. São eles que te geram essa dor ardentemente agonizante quando te crucificam de forma invertida perante todos os pecados cujo teu corpo não consegue esconder atrás de si. São eles que te assassinam os sonhos e fazem brotar pesadelos que conheces como reais, só para de seguida acordares num sobressalto e tomares consciência de que não há diferença entre o sono e a vigília. São eles que fazem a tua sombra que não obedece aos mandamentos do teu corpo e jocosamente enganam os teus sentidos, criando sons, imagens, sabores, cheiros e objectos que te conduzem à insanidade louca de onde não te consegues libertar. São eles que não se espantam quando gritas em surdina o que se evapora da tua alma quando por fim cedes em desamparo perante a incapacidade de expressares a mínimo esboço de vontade própria.

Por mais que tentes, não consegues cavar um fosso onde os enterres ou que os impeça de te alcançar. Porque esses vultos escuros não vivem contigo. Eles vivem em ti. Em tudo o que és. Estão entranhados em tudo o que é vida em ti e em tudo o que é morte que causas. E só desaparecerão quando também tu te eclipsares.

quarta-feira, abril 07, 2010

Definições VII

Amor: tu.

domingo, março 28, 2010

Quando formos grandes

Já imaginaste como tudo será quando formos grandes? Quando formos maiores e mais crescidos?

Será que ainda nos vamos conhecer? Ainda seremos capazes de trocar palavras de conforto, carinho e compreensão? Se nos afastarmos, teremos a habilidade de nos reconhecer por trás do tempo que passou? Teremos orgulho daquilo que cada um de nós se tornou? E daquilo que o outro se tornou? Ou será que nos envergonharemos perante todas as nossas esperanças e desejos actuais? Teremos sido capazes de corrigir os nossos defeitos ou simplesmente de os refinar mais? Encontraremos a nossa outra melhor metade com que sempre sonhámos? Será alguém hoje para nós um desconhecido ou aquela pessoa que sempre aqui esteve sem darmos pela sua presença e que futuramente será o brilho do nosso ser?

Quando formos grandes, teremos perdido a capacidade de chorar? Ou será que o continuaremos a fazer de cabeça erguida sempre que o peso da vida nos pesar demais? Teremos sarado feridas ou somente herdado mais cicatrizes de guerras que agora não descortinamos? Conseguiremos ainda sentarmo-nos lado a lado, reconhecendo a amizade do outro num simples encostar mútuo da cabeça no ombro que atraca ao lado? Teremos, ao invés disso, minado por completo qualquer réstia de ligação humana que existisse? Saberemos ouvir o silêncio que nos enche a alma quando está vazia, sem necessidade de clamar por ajuda? Quando fecharmos os olhos, ainda saberemos onde o outro está mesmo no escuro?

Saberemos saborear o prazer das pequenas coisas, mesmo que elas se repitam a ciclos? Ou conformar-nos-emos numa toca isolada, desesperando pelo crescimento caduco e nada perene? Seremos capazes de ainda procurar as pontes que nos unem e os vales que nos afastam, mas que todos juntos criam esta dualidade una? Ansiaremos sempre ainda por mais um pedaço de vida com o outro e com quem queira connosco degustar o tempo? Antes seremos derrotados por utópicas outras vidas que de nós florescerão e nos consumirão as atenções? Seremos vencidos pela gula e soberba de quem se deixou vencer a si próprio? Ou continuaremos a encontrar o caminho de volta a casa, por entre fragas e matas?

Agora, aqui, não sei se quero crescer. Não me urge o desconhecido quando o que tenho e tacteio me é tão real e tão seguro. Tão presente.


Já imaginaste como tudo será quando formos grandes? E quando formos grandes, será que continuaremos a lembrar do tempo em que éramos pequenos? Às vezes acho que o melhor seria ficarmos para sempre suspensos num marasmo que só nos prolongasse este momento melancólico que é poder partilhar este pensamento inventivo com alguém que não sabemos onde estará amanhã. Que talvez já não exista quando crescermos.

domingo, fevereiro 28, 2010

Despedida

Uma mão que se abre num aceno, com os dedos esguios estendidos a medo. Outra mão que se enrola num aperto cordial ousando demonstrar alguma força que já não tem. Um abraço que envolve um tronco de tal modo sôfrego que já não respira.

Há momentos em que a mente se quer despedir. Alturas em que o conforto não chega de onde se queria e a esperança é vã memória dos tempos que se sonharam e nunca foram realidade. O corpo não tem outra solução que não obedecer a esse desígnio imperial imposto pela voz que o comanda. Contrariado ou não, cabe-lhe dar forma a algo muito mais complexo que uma simples palavra ou sentimento. Porque as despedidas são um ciclone de emoções contraditórias e vontades tantas vezes desconexas e incoerentes entre si, mas que acabam por se fundir em algo tão objectivo e concreto como um adeus.

Uma lágrima que se desprende num fio de ouro caduco e fugaz. Um nó na garganta incómodo que se disfarça mal quando se engole em seco aquilo que se quer, mas não se pode dizer. Ou um aperto no peito, que aperta algo que já não existe e cuja existência se questiona sem cessar.

Será que escolhemos poder ir embora? Serão os outros que nos deixam ir embora? Ou serão os outros que vão e ficamos nós sempre no lugar onde estivemos e de onde nunca sairemos? Uma despedida é sempre subjectiva e relativa. Talvez não interesse quem parta e quem permita partir. Talvez nem interesse saber se isso interessa. Porque, no final das contas, o que resta é o abandono que ardeu lentamente de forma penosa enquanto nunca se deu por ele. Um fogo que se alimentou de muito mais que o oxigénio que necessitaria para respirar e que transgrediu todas as barreiras que o bom senso deveria impor.

Um passo tímido que se começa em direcção a um novo rumo, talvez cópia do que agora se nega. Um último desviar no olhar incrédulo com a dor cabal do que já não capta. Uma certeza da decisão que se incorpora por fim, quando finalmente tudo se torna óbvio.

Foi a ausência. A inexistência de uma presença que se conjecturou sob ideais e premissas dúbias descritas em fábulas e romances irreais. Porventura surreais. Foi a dor do esquecimento. Da lembrança de permitir o abandono tão concreto e visível que quase chega a ser sorrateiro. Porventura matreiro. Foi a incongruência. A coerência de usar do poder conforme fazia gosto ao uso do abuso de querer tudo sem escrúpulos. Foi tudo isso. Um esgar tétrico e silencioso que se apagou cordialmente entre ambas as partes sem combinação ou contrato prévios. Uma despedida da qual todos são conscientes e coniventes. E que, mesmo sem nunca o expressarem com a voz que a natureza concedeu a quem dela faz uso, há muito ansiavam. Com uma força tão honesta quanto cruel.

sábado, janeiro 30, 2010

Intenso

Gosto de viver no máximo. Não que isto queira dizer que goste de correr riscos e entrar em aventuras. De maneira nenhuma. Gosto de caminhos seguros e bem definidos, onde a minha margem de erro é sempre a menor possível e, sempre que possível, manobrada ao meu jeito. Apesar disso, gosto de fazer esses caminhos no máximo das minhas capacidades. Gosto de investir tudo em mim, em tudo o que faço e naqueles que me acompanham nestas andanças. Dou tudo de mim e do que tenho em mim para que tenha os melhores resultados possíveis e para ajudar aqueles que tenho à minha volta e que estimo mais do que por vezes me estimo a mim próprio.

E se o faço de forma tão gigante quando gosto, também o faço quando detesto. Gosto de detestar e odiar com todas as minhas forças. Chateio-me e expludo com a maior das mais mortais energias, disparando toda a pólvora que posso arranjar. Não tolero valores sem valor, moralidades imorais, verdades mentirosas e erros descuidados feitos de propósito. E se não os tolero, vibro com força na por vezes vã tentativa de os implodir com a minha vontade enorme e avassaladora.

Sou intenso. Intenso em tudo o que faço. Quando amo ou quando desprezo. Quando procuro ou quando repulso. Para o bem e para o mal, dou 100% por tudo aquilo que eu acho que merece a pena. Porque não gosto de ser acusado de falta de empenho. Porque para mim é desrespeito não darmos tudo o que temos para oferecer. Vivo tudo, sinto tudo, absorvo tudo. Da forma mais intensa que possam imaginar.