domingo, março 26, 2006

Morte

Hoje em dia só se morre. Só se fala em morte. Só se vê morte. E das mais variadas maneiras. Morre-se por se ser homem ou se ser mulher. Por se ter uma carinha engraçada ou por se meter medo ao susto. Por se adorar Jesus Cristo ou por se preferir Alá. Por sermos "brancos" como a cal ou "pretos" como o carvão. Por se ser mais de direita ou, pelo contrário, puxar mais para a esquerda. Por se torcer e vibrar pelo clube A ou B ou até por se viver no país C ou D. Por se ser homo ou heterossexual (eventualmente até por se conjugar ambas as coisas). Por ser velho com uma vida enorme ou criança com uma vida minúscula. Por se respirar ar (poluído) ou asfixiado com falta dele. Por comer e beber (demais e mal) ou por desesperar por algo que nos alimente. Por ter dinheiro e não lhe saber dar uso ou por ter dívidas que não dá para pagar. Por passar a vida a dormir e deixá-la passar por nós ou por estar muito tempo acordado e não a saber aproveitar. Por se andar a pé e ser-se atropelado ou andar de carro e enfiá-lo numa parede ou mesmo num buraco. Morre-se pelos filhos ou pelos pais. Morre-se também por causa dos filhos e dos pais. Porque nos matam ou porque nos matamos. Porque matamos ou porque os outros se matam. Por doenças que nunca mais acabam ou por nunca as ter tido. Morre-se por solidão ou por se ter demasiadas (más) companhias. Por se saber muito pouco ou demais. Morre-se cansado de fazer muito ou de tédio de não fazer nada. Por sermos nós próprios ou por tentarmos imitar os outros. Por darmos a vida por alguém. Por amor ou pela falta dele. Às vezes por se ter sorte, outras vezes por se ter azar...
Hoje em dia tudo morre. E das mais variadas maneiras. Haverá alguém que, apesar do que nos rodeia, consiga dizer "Eu... estou vivo"? Eu acho que consigo.

domingo, março 12, 2006

Uma questão de dinheiro...

Recentemente cheguei a uma conclusão que assim à primeira ouvida, admito, soa um pouco mal. Mas não é por soar mal que deixa de ser verdade, principalmente no meio em que frequentemente me insiro. E a conclusão é tão simples quanto esta: para se ter amigos é preciso ter dinheiro.
A minha família, desde as gerações mais longínquas, nunca nadou em dinheiro. Só um dos meus quatro avós tirou mais do que a 4ª classe. Carpinteiros, metalúrgicos e costureiras. Os meus pais escolheram uma das profissões mais ingratas que hoje se pode ter, ou seja, são professores (não recebem nada de especial, têm um terço das férias dos alunos e têm que aturar e educar os filhos dos outros). Com este panorama, é lógico que nunca fui habituado a grandes excentricidades.
Quando entrei para o curso de Medicina, na saudosa FML, penetrei numa realidade completamente diferente, que já tinha tido o "prazer" de roçar ao de leve. Mais de metade dos meus colegas são pessoas que estão bem na vida. As profissões dos pais e os seus negócios assim o permitem. Até aqui tudo bem. Cada um tem aquilo com que nasce e para que trabalha. É justo. Mas é também aqui que surge o problema. Pessoas com mais posses fazem coisas que os de menos posses não podem. Simplesmente têm dinheiro para gastar nisso. Mas eu não tenho.
Como se sentiriam, estando na minha posição, se à vossa volta estivesse um grupo de pessoas que todas as semanas fala de todos os lugares do globo onde esteve, mostrando fotografias e esquecendo-se e pondo de parte aqueles que, como eu, tem o simples prazer de conhecer este cantinho a que chamamos Portugal? Desculpem mas eu não me sinto bem, quando todo o mundo fala de coisas que não me dizem respeito, estando eu a escassos centímetros do centro da conversa. Acho que é falta de consideração porque sempre me ensinaram que ser amigo, companheiro ou colega é deixar todos à vontade, não ignorar, integrar. Peço perdão se discordam ou se firo susceptibilidades. Sou assim como sou, não consigo fingir quando não estou bem e quando não gosto de algo...
É por isto que digo que para ter amigos é preciso ter dinheiro. Se eu o tivesse, também viajaria e aí poderia contar todas as viagens, brinquedos e acessórios que tivesse comprado. Poderia conversar e entrar nas vossas conversas. Mas não o tenho. E não pensem que tenho inveja. Caminhando por Portugal, também eu vi coisas que vocês nunca viram. E mesmo que também as tenham visto, com certeza não o viram da mesma maneira que eu (porque às vezes não basta ver... é também importante a maneira como se vê e isso parte de cada um). Conheci a perfeição em muitos cantos que vocês se calhar não sonham e que não encontram lá fora... Por isso não vos invejo. Porque quase sem me mexer, também eu conheci um mundo fascinante e repleto de beleza.

Talvez seja (também) pelo dinheiro que este não é o meu lugar no puzzle. Se calhar nem é este o meu puzzle. O meu será talvez um de 500 peças e não um de 10000. Será talvez num puzzle mais baratinho e acessível ao meu bolso.

domingo, março 05, 2006

Desculpem...

Se há capacidade que eu não tenho é inteligência emocional... Inteligência não é só saber pensar, responder certo a mil e uma perguntas e saber de tudo e mais alguma coisa. Há também a inteligência dos sentimentos. Aquela que muita gente diz estar no coração, mas que, de certeza absoluta, está na nossa cabeça. Este tipo de inteligência é aquele que nos faz conjugar os sentimentos, as opiniões, as vontades. As nossas e as dos outros. Quer sejam iguais ou diferentes. É a capacidade de respeitar a visão dos outros e, mesmo que nos incomode, lidar com as pessoas independentemente disso. Porque as pessoas não são um clube de futebol, um partido político, uma religião, amor, amizade, aborto ou eutanásia. As pessoas são pessoas e, por o serem, têm opções.
Infelizmente esta não é uma das minhas áreas fortes. Talvez não por ignorância mas mais por desatenção. Daí que, frequentemente, atropele as pessoas. Sou emocionalmente burro. Nasci assim e se calhar não me esforço o suficiente para mudar. E esse é talvez o meu maior erro. Por isso, gostaria de pedir desculpa a todos aqueles que magoei. É muito provável que o tenha feito inconscientemente, mas isso não atenua o que fiz. Fi-lo e, na maioria dos casos (se os viesse a descobrir), arrepender-me-ia.

Aos que gostam de mim, desculpem por vos ter desiludido, magoado ou traído.