quinta-feira, outubro 23, 2008

Saber

Posso não saber tudo, mas garanto-vos que sei mais do que aquilo que vocês julgam que eu sei.

domingo, outubro 12, 2008

Culpa

Desta vez nenhum de vocês me pode apontar a mais pequena falha. Dei tudo o que tinha. Disponibilizei-me e fui sincero em tudo o que fiz e disse. Não errei um milímetro que fosse.

Desta vez todos vocês sugaram-me o sangue que me preenchia. De tal maneira que estou vazio por dentro e para fora. Têm tudo o que vos podia dar. Vocês agora decidem o que querem ou não.

Tive culpa no passado e ainda a tenho no presente. A partir de agora, a culpa será toda vossa.

sábado, outubro 04, 2008

Esquecimento

Dêem-me tempo. Preciso de me esquecer que vocês se esqueceram de mim.

quinta-feira, outubro 02, 2008

Tela

Na minha mente tenho uma imagem demasiado nítida. Um desenho bem vincado. Uma pintura perfeitamente minha.

Ao fundo uma falésia negra como o breu de uma noite escura. Xisto no seu estado mais bruto e animal. Sem qualquer correcção ou aperfeiçoamento. Irregular, farpado e ingrememente assustador. Cortante. Inescalável. Demasiado alto. Demasiados metros impossíveis de vencer e que se reduzem, em baixo, a um miserável e curto areal. Liso, nu e curto porque o mar assim o determina sem vontade mas com propósito. Sem marcas, conchas ou sinais de vida. Um manto que tapa outros tantos iguais a ele que se escondem sob o seu repouso. Um tapete cheio de nada e repleto de areia dispersa aleatoriamente de acordo com a vontade do vento que ruge escarpa abaixo em direcção ao mar. Que rasga o xisto tal como rasga a água até que eu o perca de vista. Fundindo-se em turbulências com o mar que enche todo o lado direito da minha visão. Não lhe sei a cor mas sei que é mar. Porque o seu cheiro está na tinta da tela e as suas gotas na palma da minha mão. Sei que tem ondas maiores que a falésia e que essas mesmas ondas rebentam com estrondo, partindo-se em estilhaços suaves nas suas próprias bases que encharcam a figura imponente e impenetrável ao centro de tudo.

Uma figura preta de cima a baixo. Um homem jovem e gasto, cujos 180 centímetros de altura e os poucos quilos de peso se encontram de costas para os meus olhos. Os sapatos são simples, nada brilhantes e de sola escassa. Os atacadores atados à pressa e já resvalados, arrastam-se soltos e apressadamente de forma milimétrica atrás do passo. Das calças apenas se adivinha a bainha em torno dos tornozelos, de tão escondidas que estão sob um sobretudo enorme e já ruço de toda a porcaria em que se roçou. É liso, moldado pelo ar em movimento que o empurra sem dó em direcção indefinida, e tem dois bolsos à altura da cintura que alojam as mãos esguias e desprovidas de qualquer músculo que as sustenha estoicamente erguidas contra qualquer tipo de força, por mais mínima que seja. A cor deste manto só encontra rival em toda o quadro na total ausência de cor do cabelo curto e cuidadosamente revoltado com o qual a sua gola alta e aberta se continua. A cara sei eu como é. Não preciso de a ver para a adivinhar. Velha e com a barba por fazer, não muito comprida. Suficientemente crescida para dar o ar de vagabundo despreocupado que gostava de cultivar perante os outros que não se interessavam por ele. Olhos vazios de alma que fitam a biqueira dos sapatos enquanto os pés alternam na posição de destaque do campo visual, destaque que nenhum ser alguma vez se dignou a conceder-lhe. Uma boca inexpressiva e fechada, guardando tudo o que todo o interior quer gritar de dor e agonia a todos os que o feriram. Uma expressão acabada, desiludida e resignada com a vida. Como o percebo? Não faço ideia. Não sei o que é uma expressão acabada, desiludida e resignada. Mas aquela era-o sem qualquer hesitação. Tal como a marcha. Decidida, embora cambaleante. Trôpega mas com destino. Tão leve que não marcava a areia. Tão forte que não se deixava levar pelo vento. Tão imponente que não era possível de ser arrastada com o mar. Tão ignorada que carregava este vulto, sem ninguém dar por isso, até ele se confundir com a falésia de xisto. Até só eu o ver e saber onde ele estava. Porque ainda é possível distinguir a sombra da escuridão.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Carta

Durante os meses em que mal nos falámos, não foste só tu que tentaste arranjar alguma razão plausível para tudo o que aconteceu. Não foste só tu que ousaste pôr em causa coisas que muito provavelmente nenhum de nós deveria ter sequer imaginado em desacreditar. Faltou-nos talvez uma resposta do outro lado. Um sinal que sempre soubemos dar mas que, incompreensivelmente, desapareceu a dada altura.

Disseste-me que se pode ter devido tudo às nossas duas individualidades que embatem vezes demais e muitas vezes não da melhor ou mais agradável maneira. Sem dúvida. Vestimos demasiado bem o nosso próprio papel que o tempo nos foi consagrando, à medida que fomos batendo em inúmeras paredes por que cada um de nós passou. Temos a nossa própria maneira de estar, tremendamente forte e, a tempos, enormemente grande. É natural que choquemos. Não poderia estar mais de acordo contigo. Mas, para mim, faltam-nos também oportunidades de estarmos os dois a falar sem qualquer tipo de condicionante externa. Sem que tenhamos que cortar conversas devido à existência de plateia. Sem que tenhamos que estar constantemente atrás de um monitor de computador ou telemóvel. Talvez por isso, para mim, nos tenhamos perdido e afastado sem dar conta. Não sei se concordas ou achas que é completamente ao lado, mas sinto que perdemos a disponibilidade, o tempo e a importância que guardávamos um para o outro. Perdemos a capacidade de entender o outro. De eu te perguntar o que tinhas quando via à distância que estavas estranha. De tu me dares instintiva e silenciosamente a tua mão quando percebias que eu não estava bem. Se queremos que a nossa relação seja o que de melhor dela possamos tirar, talvez se torne muito importante (re)criar este espaço onde já nos entendemos tão bem.

Às vezes gosto de vasculhar os palavras que trocámos há muitos meses. Parece-me tudo tão longe, yet so real. Partilhámos tantas ideias, tantos esconderijos nossos. Ralhámos e afagámos a cabeça um do outro. Disseste-me coisas das mais puras e verdadeiras que eu alguma vez ouvi. Chegámos a perder noção das horas enquanto, como disseste na altura, fazíamos companhia um ao outro em noites frias, desacompanhadas ou mal dormidas. Não falhávamos tanto como agora. Lembrávamo-nos mais. Era capaz de te mostrar imensas coisas que me escreveste, tal como provavelmente tu também o conseguirias fazer, só para que conseguíssemos responder a este "Porquê?".

É provável que arranjássemos alguns motivos para além dos que primeiramente nos assolaram a mente. Talvez o tempo nos mostre onde nos derrotámos. Mas não acho que seja produtivo insistir agora. Afirmaste que tinhas muitas coisas para me dizer que não caberiam num pedaço de papel. Como te compreendo... As coisas hão de se ir acertando. Pelo menos espero que nunca mais voltem a ficar tão erradas. Não te vou negar que gostava muito de voltar atrás. Não para apagar alguma coisa do que se passou, porque isso deve ficar para que aprendamos. Gostava muito de voltar atrás "só" para ir buscar o que por lá ficou. Não te vou negar que tenho tremendas saudades dessa altura. Não sei se teremos essa capacidade de reconstruir o que quase ruiu... Acho que precisamos de acreditar: eu em ti e tu em mim. Eu acredito em ti.