quarta-feira, outubro 01, 2008

Carta

Durante os meses em que mal nos falámos, não foste só tu que tentaste arranjar alguma razão plausível para tudo o que aconteceu. Não foste só tu que ousaste pôr em causa coisas que muito provavelmente nenhum de nós deveria ter sequer imaginado em desacreditar. Faltou-nos talvez uma resposta do outro lado. Um sinal que sempre soubemos dar mas que, incompreensivelmente, desapareceu a dada altura.

Disseste-me que se pode ter devido tudo às nossas duas individualidades que embatem vezes demais e muitas vezes não da melhor ou mais agradável maneira. Sem dúvida. Vestimos demasiado bem o nosso próprio papel que o tempo nos foi consagrando, à medida que fomos batendo em inúmeras paredes por que cada um de nós passou. Temos a nossa própria maneira de estar, tremendamente forte e, a tempos, enormemente grande. É natural que choquemos. Não poderia estar mais de acordo contigo. Mas, para mim, faltam-nos também oportunidades de estarmos os dois a falar sem qualquer tipo de condicionante externa. Sem que tenhamos que cortar conversas devido à existência de plateia. Sem que tenhamos que estar constantemente atrás de um monitor de computador ou telemóvel. Talvez por isso, para mim, nos tenhamos perdido e afastado sem dar conta. Não sei se concordas ou achas que é completamente ao lado, mas sinto que perdemos a disponibilidade, o tempo e a importância que guardávamos um para o outro. Perdemos a capacidade de entender o outro. De eu te perguntar o que tinhas quando via à distância que estavas estranha. De tu me dares instintiva e silenciosamente a tua mão quando percebias que eu não estava bem. Se queremos que a nossa relação seja o que de melhor dela possamos tirar, talvez se torne muito importante (re)criar este espaço onde já nos entendemos tão bem.

Às vezes gosto de vasculhar os palavras que trocámos há muitos meses. Parece-me tudo tão longe, yet so real. Partilhámos tantas ideias, tantos esconderijos nossos. Ralhámos e afagámos a cabeça um do outro. Disseste-me coisas das mais puras e verdadeiras que eu alguma vez ouvi. Chegámos a perder noção das horas enquanto, como disseste na altura, fazíamos companhia um ao outro em noites frias, desacompanhadas ou mal dormidas. Não falhávamos tanto como agora. Lembrávamo-nos mais. Era capaz de te mostrar imensas coisas que me escreveste, tal como provavelmente tu também o conseguirias fazer, só para que conseguíssemos responder a este "Porquê?".

É provável que arranjássemos alguns motivos para além dos que primeiramente nos assolaram a mente. Talvez o tempo nos mostre onde nos derrotámos. Mas não acho que seja produtivo insistir agora. Afirmaste que tinhas muitas coisas para me dizer que não caberiam num pedaço de papel. Como te compreendo... As coisas hão de se ir acertando. Pelo menos espero que nunca mais voltem a ficar tão erradas. Não te vou negar que gostava muito de voltar atrás. Não para apagar alguma coisa do que se passou, porque isso deve ficar para que aprendamos. Gostava muito de voltar atrás "só" para ir buscar o que por lá ficou. Não te vou negar que tenho tremendas saudades dessa altura. Não sei se teremos essa capacidade de reconstruir o que quase ruiu... Acho que precisamos de acreditar: eu em ti e tu em mim. Eu acredito em ti.

1 comentário:

Sophia disse...

Esta carta é quase universal, poderia traduzir muitos diálogos por este mundo fora.
Quem nunca terá experimentado ou nunca irá experimentar a sensação de em algum momento desacertarmos o passo de alguém com quem partilhámos, de quem recebemos e que nos ajudou a definirmos como pessoa, alguém que nos foi ou é extremamente próximo e, simultaneamente, diametralmente, oposto (muitas vezes, pela força de duas personalidades demasiado vincadas).